Rebeka Cortez, escritora parahybana com hy, tem obsessão por escrever sobre água e um amor infindável pela língua portuguesa, o que a levou a cursar letras na UFPB. “De onde jorra a lembrança” é uma crônica de auto-ficção sobre a Fonte do Tambiá em João Pessoa, Paraíba, que pode ser encontrada no parque zoobotânico local (a “bica”).
Tombaram a Fonte do Tambiá. O termo sempre me causou um riso secreto porque faz parecer que o patrimônio foi empurrado para entrar na história, assim, do nada, quase que pela maldade de alguém. Os guias turísticos gostam de contar a história da lenda:
— E então Aipré virou a esposa de Tambiá. Quando ele morreu, Aipré derramou tantas lágrimas que gerou o olho d’água de onde vem a água da fonte... Agora que minha visita é revisita, pego de volta essa lembrança e tenho um estranhamento silencioso. Se bebemos das lágrimas dela, por que o nome do outro? E me distraio disso quando imagino uma tristeza tão poderosa que seria capaz de matar a sede duma cidade, gerar o fio de vida. Imagine ser amado assim.
A fonte ergue-se diante de mim feito templo, feito túmulo. Esse monstro pré-analógico de pedra que conheci na minha infância. Não adianta restaurar, ainda está esculhambada: marcas do tempo e de chuvas. Decido que a amo mesmo assim. E a reverencio, e a torno o meu deus enquanto minha visita dura. O que sobrou dela foi isto: secura.
Vim aqui para tentar lembrar mais. A linha d’água que escorre é tímida como é hoje meu choro de menina tornada mulher. Ali encontro minha memória. Coloco as duas mãos em concha, colho a água e levo aos meus lábios. Descubro que o gosto salobro dela é o sabor que meus sonhos teriam. Boa parte escorre por entre meus dedos, como meu passado.
Faço minhas mãos concha mais uma vez, mas jogo a água em meu rosto, e me batizo de novo. Jogo mais, e ela escorre pelas minhas bochechas — Aipré me emprestando suas lágrimas.
No parque zoobotânico, tudo respira. O cheiro de terra úmida por todo lugar. A sombra das árvores que nos agracia sem nunca pedir nada em troca. E a fonte, com sua quietude feroz, característica de tudo aquilo que resiste ao tempo. As pessoas passam por ela para ver os macacos brincarem. Enquanto isso, eu, quase atônita, buscando buscando buscando, me faço sua sacerdotisa por um instante. Ela me encara de volta, mas não me oferece mais nada.
Quando me despeço da fonte, ainda não me recordo com clareza da minha meninice. Mesmo assim, encontrei algo. Mãos úmidas, ganho coragem para ver os leões.
Que texto lírico, cheio de emoção! Um dos meus locais preferidos da cidade, com certeza, é a Bica graças a sua conexão com a natureza e a grande sensação de paz que aquele local agrega. Sempre que vou até o parque não tem como não parar para admirar a enorme fonte tão presente em memórias de visitas da infância, e o seu texto traz um encanto nostálgico a história desta fonte! :)
seu texto me tocou desde o primeiro momento que o li, rebeka; é surpreendente o quanto é possível se fazer com tão pouco.